Não deixe o supermercado te enganar
por Revista Gotas
Original em: http://revistagotas.com.br/nao-deixe-o-supermercado-te-enganar/
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Hoje de manhã, coloquei na bolsa uma cópia do livro “Em defesa da comida”, do americano Michael Pollan, peguei meu bloquinho de anotações e fui ao supermercado caçar rótulos que estavam tentando me enganar.
Arrá, peguei o primeiro logo na entrada do supermercado, num daqueles corredores coloridos que tentam convencer você de que comer chocolate é mais divertido do que ir a uma festa. Era um pacote de bolacha, o Turmix, da Marilan. Malandrão. Lá no rótulo está escrito que é “rico em vitaminas, cálcio e ferro”, com letras bem grandes. Não é mentira, é verdade: uma bolacha supre 4,5% das necessidades de cálcio, ferro e vitaminas do complexo B – coma o pacote inteiro e você praticamente atingiu sua necessidade diária dessas coisas. Arrã, mas, se você fizer isso, vai ter consumido também 1.000 calorias (isso também está escrito na embalagem, numa letra vermelha clara sobre fundo rosa, do tamanho exato da largura de um palito de fósforo).
Cálcio, ferro e vitamina fazem mesmo bem para a saúde, mas fazem bem melhor quando estão dentro de vegetais, cercados de fibras, que ajudam a diminuir o ritmo da absorção. O que os engenheiros de alimentos fazem é arrancar esses minerais e vitaminas de outras coisas e introduzi-los no meio da farinha da bolacha, que praticamente não tem valor nutritivo. Vitamina e mineral são bons pacas, mas não é para procurar por eles nas bolachas ou nos pães ou sei lá onde: o lugar certo para encontrar essas coisas é onde sua vó dizia: nas frutas, verduras e legumes, meu filho.
Aí cheguei àquela ala dos bolos e pães. Minha embalagem preferida lá é a do bolinho Bebezinho com recheio de laranja, da Panco. Na parte da frente, tem um desenho de um bolinho ao fundo, mas o que se destaca mesmo é a imagem em primeiro plano, uma suculenta laranja, com gomos reluzentes de sumo. Fui então olhar lá atrás para ver do que é feito esse tal “recheio sabor de laranja”.
“Açúcar, suco de laranja, amido, aromatizante, acidulante, ácido cítrico, corante inorgânico dióxido de titânio, corante caramelo, corantes artificiais amarelo crepúsculo e amarelo tartrazina e conservador sorbato de potássio.” O Bebezinho jamais passou perto de uma laranja suculenta como a da ilustração. Só o que tem lá dentro é suco da fruta, desprovido de fibras e certamente mais pobre em vitaminas e minerais. As dicas do Michael Pollan me ajudaram a desmascarar o Bebezinho: “Evite produtos cujos ingredientes são a) não familiares, b) impronunciáveis, c) mais de cinco em quantidade…” Ele avisa também para nunca comprar nada que sua avó não identificaria como comida. Será que minha avó conhecia dióxido de titânio?
Aí cheguei aos pães. Ah, os pães, que imensa complicação que é comprar pão hoje em dia, com todos aqueles avisos exclamativos de que tudo faz bem (o livro de Pollan avisa que no geral é melhor evitar produtos com mensagens de muito destaque afirmando que faz bem para a saúde). Meu preferido lá foi o Pão Ômega, da Nutrella, decorado com um singelo coração, onde se lê “pão do coração – ômega 3:6”. Que malandros! Ômega-3 e ômega-6 são dois tipos de óleo que são essenciais para a nossa saúde. Só que a grande questão com eles não é a quantidade, é o balanço entre os dois. Você tem que ter níveis equilibrados de ômega 3 e 6 – se o nível de ômega-6 é muito mais alto que o de ômega-3 aumenta seu risco de doenças cardíacas.
Acontece que nossa dieta hoje tende a ter muito ômega-6 (encontrado em sementes, e, portanto, no óleo de soja que vai em produtos industrializados) e pouco ômega-3 (encontrado em peixes, algas e folhas verdes). Ou seja, precisamos de mais ômega-3 e de menos ômega-6. Portanto, quando um rótulo diz “pão do coração – ômega 3:6”, pode não estar mentindo, mas está tentando me enganar. Ainda mais quando descobrimos que cada fatia do pão tem 0,2 grama de ômega-6 e 0,1 grama de ômega-3. Continuei rumo às memórias da infância. Lembra do Yakult, com seus lactobacilos vivos? Vejamos o que diz atrás da embalagem:
“alimento com alegações de propriedades funcionais”. Alegações? Como assim? O que eles querem dizer com isso? Querem dizer que o tal L. casei Shirota, a bactéria presente dentro nos potinhos de plástico, inibiu o crescimento de outra bactéria, a H. pylori, causadora de inflamações, num tubo de ensaio. Mas, até hoje, nenhum cientista conseguiu provar que o célebre lactobacilo ataca o H. pylori no corpo humano. Para encurtar a história: não está provado que lactobacilos fazem bem. Mas tem uma coisa que está provada sim: os outros ingredientes do Yakult (“leite desnatado ou leite desnatado reconstituído, açúcar, glicose, fermento lácteo e aroma”) são praticamente vazios de nutrientes importantes e atrapalham a boa nutrição. Além disso, leite reconstituído é pior do que leite de verdade.
Como regra, prefira comidas o menos processada possível. Lá pelo meio do supermercado topei com o velho Baconzitos, da Elma Chips. Sensacional. Numa sacada de marketing, o clássico salgadinho foi relançado com balbúrdia, depois de andar desaparecido, desde que bacon virou uma comida, digamos, fora de moda. O Baconzitos é um caso engraçado. As pessoas o abandonaram por ser de bacon, mas a verdade é que ele não é. Veja os ingredientes: farinha de trigo, fécula de mandioca, óleo vegetal e… “preparado para salgadinho sabor idêntico ao natural de bacon”. Uau! Que diabos é isso? “Sal, farinha de arroz, açúcar, amido, maltodextrina, glucose, extrato de carne, realçador de sabor glutamato monossódico, aromatizante e corante caramelo.” Nada de bacon! Realmente, está escrito, bem grande, na embalagem: “Feito de trigo”. Verdade. Mas não significa que o Baconzitos, ou qualquer salgadinho de farinha refinada e óleo, faça bem. Por mais que as mensagens “0% gordura trans”, “fonte de energia” e “fonte de proteína e ácido fólico” sugiram o contrário.
Chego então ao leite Ninho, da Nestlé, tão reluzente e ensolarado. No verso da caixa, um texto diz o seguinte. “Uma dica Ninho: procure ingerir três porções de leite ou seus derivados diariamente”. Repare que não está escrito que isso é bom para sua saúde. Trata-se apenas de uma “dica”, uma sugestão inocente. Mas o linguajar meio científico é para dar a sensação de conselho médico (“ingerir”, “porções”, “diariamente”). E a verdade é que os nutricionistas têm um monte de dúvidas sobre se beber leite é mesmo uma boa ideia, principalmente para adultos. Apesar de o cálcio ser importantíssimo para a saúde, há suspeitas de que ele não deve ser acompanhado de muitas proteínas para ser bem absorvido, e leite é cheio de proteína. As embalagens Nestlé geralmente são elegantes e muito ricas em informação correta. Mas aqui eles tentaram me enganar.
A dica fundamental de Pollan, na verdade, é que você prefira comer coisas que nem têm embalagem – frutas, legumes, verduras, carne. Enfim, comida – não produtos alimentícios. Verdade que, nos dias de hoje, nem mesmo uma maçã conta toda a verdade. Um estudo recente feito na Inglaterra, citado no livro, mostra que, para obter os mesmos níveis de ferro de uma maçã de 1940, você teria que comer três maçãs de hoje. Os níveis de zinco, cálcio, selênio, vitamina C e riboflavina da maçã também caíram bastante nas últimas décadas.
As frutas estão ficando menos nutritivas porque os solos estão se empobrecendo graças ao sistema industrial de produção, que enche a terra de nitrogênio, fósforo e potássio, mas esquece os outros nutrientes. Acontece que os outros nutrientes são fundamentais para a saúde, especialmente para proteger de doenças como o câncer. O melhor, então, é procurar vegetais produzidos em pequena escala, orgânicos de preferência. E ler as letras miúdas.
Muito bom esse texto!!!
ResponderExcluirQuantas informações úteis! Somos muito enganados pela indústria alimentícia, consumimos sem questionar a origem e ingredientes dos alimentos. Como o próprio nome diz, indústria alimentícia, é necessário criar nichos de mercado consumidor para que haja lucro, e essa monocultura alimentar de ultraprocessados está empobrecendo nossa cultura e nossa saúde.
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